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Uma visita ¨¤ Escola Iacy Vaz Fagundes, um pr¨¦dio espremido em uma travessa do bairro da Federa??o, em Salvador, revela rapidamente os obst¨¢culos vividos pelos estudantes mais vulner¨¢veis da capital baiana. Em uma sala de aula, uma estagi¨¢ria do Programa de Apoio ¨¤ Aprendizagem (PAAP), da Prefeitura, trabalhava com duas meninas entre 9 e 10 anos. Apesar de j¨¢ estarem em idade de conseguir ler e interpretar um texto simples, elas n?o associavam nem sequer o som da vogal A a palavras iniciadas com ela: aula, amor, abacaxi, a?¨²car.

? imposs¨ªvel assistir a um momento desses sem pensar nos tipos de empregos que as meninas ter?o e na vida que viver?o caso continuem com dificuldades para absorver os fundamentos da leitura, sem os quais fica dif¨ªcil aprender o resto.

Em outra sala, com carteiras organizadas em forma de c¨ªrculo, quatro garotos ¨C com m¨¦dia de 17 anos ¨C conversavam com o professor sobre intelig¨ºncia artificial e direitos humanos depois de assistirem a programas educativos em uma televis?o. Finalmente, eram chamados para responder algumas perguntas por escrito no quadro. Chamava a aten??o o esfor?o para tentar dar a melhor resposta poss¨ªvel, mesmo em letras min¨²sculas (por medo ou vergonha de errar) ou com incorre??es na grafia das palavras.

Esses alunos fazem parte do programa Chegando Junto, que re¨²ne alunos com ao menos dois anos de ensino atr¨¢s do que seria apropriado para a idade, com o objetivo de criar uma turma com perfil mais pr¨®ximo, permitindo ao professor dedicar mais aten??o ¨¤s dificuldades dos estudantes. Os alunos que completam satisfatoriamente o programa recebem um certificado de conclus?o do ensino fundamental, abrindo portas para o ensino m¨¦dio. Espera-se com essa iniciativa n?o apenas reduzir os ¨ªndices de distor??o entre idade e s¨¦rie na rede p¨²blica, mas retomar nos jovens o gosto pelos estudos e incentiv¨¢-los a prosseguir.

Em 2019, quatro a cada 10 alunos matriculados entre o sexto e o nono ano apresentavam ao menos dois anos de atraso em rela??o ¨¤ s¨¦rie apropriada para sua idade. Os resultados do Chegando Junto ainda est?o por vir, mas a expectativa ¨¦ reduzir a distor??o idade-s¨¦rie quase pela metade, ou seja, de 42% em 2019 para 23% em 2024.

Corrigindo distor??es

O PAAP e o Chegando Junto t¨ºm dois elementos em comum. Em primeiro lugar, buscam fazer com que o ensino se torne compat¨ªvel com o n¨ªvel de aprendizagem dos alunos. Em segundo, foram apoiados pelo Projeto Salvador Social, da prefeitura da capital baiana, com apoio do Banco Mundial. Desde a aprova??o, em dezembro de 2017, o projeto catalisou essas e outras iniciativas necess¨¢rias para melhorar a qualidade da educa??o no munic¨ªpio, ao mesmo tempo em que investiu na ²õ²¹¨²»å±ð e na assist¨ºncia social.

Corrigir as distor??es entre idade e s¨¦rie ¨¦ e continua sendo um desafio na rede p¨²blica de educa??o de Salvador. Depois do projeto, nas escolas municipais, a propor??o de alunos com um n¨ªvel adequado de alfabetiza??o e numeramento no fim do segundo ano do ensino fundamental aumentou de 26,32% em 2017 para 49% em dezembro de 2023 (a meta do Projeto Salvador Social era de 45%). Os avan?os poderiam ter sido ainda maiores se n?o fosse pela pandemia de Covid-19, que afastou os alunos das escolas por quase tr¨ºs anos. ¡°Nossa frequ¨ºncia s¨® voltou ao normal em 2023¡±, conta Michele Checucci, diretora da Escola Iacy Vaz Fagundes.

Em meio a tantas adversidades, uma boa not¨ªcia ¨¦ que, com apoio do Salvador Social, a rede p¨²blica de educa??o tamb¨¦m passou a mensurar melhor os resultados do pr¨®prio trabalho.

A iniciativa ajudou o munic¨ªpio a implementar o Programa Salvador Avalia (PROSA), criado em 2013 e usado para munir os professores com informa??es sobre o desempenho dos alunos do segundo, terceiro, quinto e nono anos. Desde 2022, o PROSA passou a ser aplicado anualmente, do primeiro ao nono ano do ensino fundamental.

Para que a avalia??o de aprendizagem seja usada como diagn¨®stico para orientar as pol¨ªticas educacionais, ¨¦ preciso que muitos alunos participem. S¨® assim ela refletir¨¢ a realidade da rede. Por isso, ¨¦ relevante observar que, em outubro de 2023, em 92% das escolas de ensino fundamental de Salvador, pelo menos 80% dos alunos estavam fazendo o exame PROSA. A meta do Salvador Social era 72% das escolas.

¡°A partir das avalia??es do PROSA, conseguimos ver os impactos dos programas de apoio ¨¤ aprendizagem (como o PAAP e o Chegando Junto). Podemos verificar se o aluno est¨¢ evoluindo no decorrer do ano, temos a possibilidade de realocar profissionais e ver onde est?o os maiores gargalos¡±, explica Rafael Salles, gerente setorial da Secretaria Municipal de Educa??o de Salvador.

Dados obtidos por meio do PROSA 2023 revelam que 50% dos alunos do quinto ano do ensino fundamental apresentam desempenho abaixo do adequado em L¨ªngua Portuguesa. No nono ano, entre 100 alunos, 77 exibem conhecimentos abaixo dos esperados para a s¨¦rie. Para superar este cen¨¢rio, outro indicador que est¨¢ sendo monitorado pelo Projeto ¨¦ o percentual de alunos n?o leitores no 5o ano. A expectativa, at¨¦ o final do projeto, ¨¦ reduzir este n¨²mero para 7%.

Ouvindo a comunidade

Em outra escola municipal, a Crian?a Feliz, ¨¦ poss¨ªvel conhecer mais um sistema de monitoramento: o Indique, que serve para a educa??o infantil e tamb¨¦m apoiado pelo Salvador Social. Trata-se de uma autoavalia??o que re¨²ne professores, diretores e fam¨ªlias e tem como objetivo provocar uma reflex?o coletiva, encaminhar demandas, tomar decis?es, gerar processos de mudan?a e resolver problemas, tudo com vistas a melhorar a qualidade do atendimento ¨¤s crian?as.

¡°O Indique foi criado pelo Minist¨¦rio da Educa??o, Salvador adaptou ¨¤ sua realidade e agora, ap¨®s a pandemia, esse trabalho est¨¢ sendo divulgado no Brasil¡±, comemora Salles.

Em 2024, 221 escolas participaram da avalia??o. A expectativa ¨¦ de que mais 150 estejam presentes em 2026.

Na opini?o das fam¨ªlias dos estudantes, o Indique traz a chance de se fazer escutar. ¡°N¨®s somos participativos. O Indique faz perguntas significativas e nos d¨¢ a oportunidade de falar sobre o que estamos precisando¡±, elogiam a dona de casa Carine Gon?alves e o vigilante Paulo Victor Souza (na foto acima), pais de Yuri, 4 anos.

¡°Meu filho veio de uma escola particular, onde sofreu preconceito por ser autista. Aqui, ele foi muito bem acolhido e at¨¦ se desenvolve mais do que na terapia¡±, emociona-se a m?e.

Para a escola ficar ainda melhor, Carine e Paulo Victor apresentaram a sugest?o de uma sala multifuncional ¨C com equipamentos e atendimento pr¨®prios para pessoas neurodivergentes ou com defici¨ºncia ¨C, chuveiros e ar-condicionado.

¡°Considero o Indique muito importante na rede e na escola, porque ¨¦ o momento em que podemos ser avaliados. Precisamos estar abertos a cr¨ªticas, porque estamos em constante aprendizagem¡±, conta L¨ªdice Vilas Boas Rodrigues, diretora da Escola Municipal Crian?a Feliz. ¡°Nem sempre cabe a n¨®s, da escola, resolver as demandas trazidas pelos pais, mas encaminhamos todas para a Secretaria de Educa??o¡±, completa.

¡°Um elo entre todas as iniciativas de Salvador ¨¦ o seguinte: as a??es no ensino fundamental buscam principalmente desenvolver o potencial dos alunos, seja por meio da identifica??o (PROSA), seja por meio da recupera??o de lacunas de aprendizagem (PAAP, Chegando Junto). J¨¢ as a??es na educa??o infantil, ao fortalecer o monitoramento da qualidade, permitem estabelecer os fundamentos para que a crian?a seja alfabetizada na idade certa e tenha um percurso escolar de sucesso¡±, comenta Louisee Cruz, consultora do Banco Mundial especialista em educa??o.  

Ainda h¨¢ muito a avan?ar, mas agora Salvador e suas fam¨ªlias contam com um conjunto s¨®lido de dados e informa??es, al¨¦m de programas de apoio que permitem atuar de maneira focalizada e apoiar cada aluno a desenvolver seu potencial.